terça-feira, 17 de maio de 2011

O Banquete, Platão



Adaptado do texto de Marilena Chauí, Introdução à Filosofia I – Dos pré-socrático a Aristóteles, PP.208-212, Companhia das Letras, 2002, São Paulo

Narrador: O poeta Agatão convida seus amigos para um banquete em sua casa, festa em que os gregos se reunião para beber, comer, ouvir música e conversar. Começam a conversar sobre Eros, o deus do amor. O primeiro a falar é Fedro.


Fedro: Eros é o mais velho dos deuses, pois não lhe conhecemos nem pai nem mãe; o mais bondoso para com os homens, pois os faz envergonharem-se do mal e imitar o bem, inspirando-lhes coragem e devotamento; o mais capaz de fazer os homens virtuosos nesta vida e felizes na outra. Os nascidos de Amor são recompensados pelos outros deuses, porque aquele que ama sacrifica-se pelo amado, torna-se divino porque habitado pelo deus.


Narrador: Disse Pausânia


Pausânidas: Parece-me, caro Fedro, que nosso elogio está malfeito. Estaria bem, se houvesse um único Eros, porém, há mais de um e precisamos saber qual deles merece nossa homenagem. Assim como há duas Afrodites, a celeste e a popular, também há dois Eros, um celeste, mais nobre, que preside o amor entre as almas masculinas, e um popular, grosseiro e simplesmente sexual. Ao primeiro devemos render tributo. Não é belo nem feio – sua beleza e fealdade dependem das qualidades ou defeitos, virtudes ou vícios dos amantes. Feio, se apenas corporal, pois a flor do corpo é efêmera, logo murcha, lançando o amado no abandono e no sofirmento. Belo, se espiritual, pois quem ama uma bela alma permanece-lhe fiel a vida inteira. Eros celeste é benéfico aos indivíduos e à Cidade.


Narrador: Erixímaco interveio, tomando a palavra.


Erixímaco: Embora começasse bem, Pausânias concluiu mal, por isso o farei em seu lugar. Sim, há dois Eros. Médico, eu sei, pois ele não se ocupa apenas dos corpos, mas também das almas. Mádico, porém, sei que Eros é mais vasto, que seu poder não se limita aos homens, mas estende seu império a todos os seres. O que é Eros? A harmonia e união dos contrários, a atração ordenada dos opostos. Por isso a medicina – arte da amizade entre os humores e os elementos no corpo e na alma – é a primeira ciência do amor. Mas também a música – união e harmonia dos ritmos contrários e dos opostos –, a agricultura – arte de unir o úmido da semente e o seco da terra –, a astronomia – ciência da harmonia e conjunção dos astros –, a religião e a arte divinatória – que buscam os vínculos entre os deuses e os homens. Eros é uma força cósmica, universal, que, aplicada para o bem, nos traz felicidade perfeita, a paz entre os homens e a benevolência dos deuses.


Narrador: Assim começou Aristófanes.


Aristófanes: Quanto a mim, coisa bem diversa direi. Os humanos desconhecem o poderio extraordinário de Eros. Se o conhecessem, haveriam de construir-lhe templos magníficos, elevar-lhe altares suntuosos, votar-lhe sacrifícios opulentos. Por que Eros possui todas as belas qualidades que lhe atribuíram os que
me precederam? Por que é tão zeloso e benevolente para os homens? Porque outrora, no princípio, éramos unos e havia três tipos de humanos: o homem duplo, a mulher dupla e o homem-mulher, isto é, andrógino. Eram redondos, com quatro braços e quatro pernas e dois rostos na mesma cabeça.Vigorosos, sentindo-se completos, decidiram subir ao céu. Foram punidos por Zeus, que os cortou pela metade, voltando-lhes o rosto para o lado onde os cortara, deixando-os com os órgãos sexuais voltados para trás. Desde então, cada metade não fez senão buscar a outra e, quando se encontravam, abraçavam-se no frenesi do desejo, procurando a união, morrendo de fome e inanição nesse abraço. Para evitar que a raça dos humanos se extnguisse, Zeus permitiu que Eros colocasse os órgãos sexuais voltados para frente, concedendo-lhes a satisfação do desejo e a procriação. Eros restaurou a unidade primitiva e nos fez buscar nossa metade perdida: os que vieram dos andróginos amam o sexo oposto, os que vieram dos homens e mulheres duplos amam os de mesmo sexo.O amor é desejo de unificação e indivisão. Encontrar nossa metade: eis o nosso desejo. Ao deus que isto nos propicia, todo nosso louvor.


Narrador: Chegada sua vez, o poeta Agatão iniciou assim seu discurso.


Agatão: Quer me parecer que todos os que até agora falaram não elogiaram o Amor, mas a felicidade dos homens por possuírem tal protetor. Quem é Eros? O mais feliz dos deuses, porque o mais belo e o melhor. O mais belo: é o mais jovem e perenemente jovem. O melhor: porque o mais útil (pois penetra imperceptivelmente nas almas), o mais delicado (pois habita as almas mais ternas), o mais gracioso n(pois vive entre flores e perfumes). Bom, porque ignora a violência e a desfaz onde existir. Temperante, porque vence a desmedida do prazer, impondo-lhe limite. Engenhoso, porque inspira poetas e artistas, dispondo as musas para a inspiração dos humanos. Hábil, pois destronou o poderio da Carência e da Necessidade, colocando nos deuses o amor pela beleza e pela concórdia. Glória dos deuses e dos homens, Eros é nosso melhor guia.


Narrador: Agatão foi aplaudido. Erixímaco pediu que Sócrates falasse. Sócrates não fará um elogio ao Amor, mas buscará sua essência. Então Sócrates conta de sua conversa sobre amor com Diotima de Mantinéia, mulher sábia nas coisas do amor.


Sócrates: Eros não é um deus – não é belo nem bom –, nem é um mortal –, não é feio nem mau. Nem imortal nem mortal, Eros é um dos daimon, intermediário entre deuses e homens, criador de laços entre eles. Qual sua origem? Quando nasceu Afrodite, a bela, todos os deuses foram convidados para o festim, esquecendo-se de convidar Penia (a Penúria). Escondida do lado de fora, ao término da festa Penia esgueirou-se pelos jardins para comer os restos. Viu, adormecido pelo vinho, Póros (o Estratagema), filho de Métis (a Prudência Astuta). Desejou um filho dele. Deitou-se ao seu lado e comcebeu Eros. Por haver sido concebido no dia do nascimento de Afrodite, a bela, Eros ama o belo. Triste é seu destino: como sua mãe, vive maltrapilho, sem teto, sem leito, dormindo pelas ruas e nos umbrais das portass, sempre carente, faminto; como seu pai, é audaz, engenhoso e sofista, deseja tudo quanto seja belo e aspira a tudo conhecer. No mesmo dia, floresce e vive, morre e nasce, nunca opulento, nem completamente devalido. Não sendo deus nem tolo, ama a sabedoria. Se fosse um deus, não poderia amá-la, pois não se ama o que já se possui; se fosse tolo, julgar-se-ia perfeito e completo e não poderia desejar aquilo cuja falta não pode notar. Eros é o desejo: carência em busca de plenitude. Eros ama. O que ama o Amor? O que dura, o perene, imortal. Ama o bem, pois amar é desejar que o bom nos pertença para sempre. Por isso Eros cria nos corpos o desejo sexual e o desejo da procriação, que imortaliza os mortais. O que o amor ama nos
corpos bons? Sua beleza exterior e interior. Amando o belo exterior, Eros nos faz desejar as coisas belas; amando o belo interior, Eros nos faz desejar as almas belas.
O amor dos corpos concebe e engendra a imagem da imortalidade: os filhos, também mortais. O amor das almas belas concebe e engendra o primeiro acesso à verdadeira imortalidade: as virtudes. Os corpos mortais geram filhos mortais. As almas imortais geram virtudes imortais.
Onde reside o belo nas coisas corporais? Na perfeição de suas figuras, de suas proporções, de sua harmonia e simetria – em suas qualidades de forma. Assim, no coração da matéria perecível e imperfeita, surgem sinais do imperecível: a beleza da forma.
Onde reside o belo nas almas? Na perfeição de suas ações, de seus discursos e de seus pensamentos – em suas qualidades de inteligência. Assim, no coração da alma imortal anuncia-se o perfeito imperecível: a beleza do saber, a manifestação do logos, a ciência.
Que deseja o desejo? Que ama o amor? A beleza imperecível, seu supremo e único Bem. O que é desejar-amar o Belo-Bem? Desejar possuí-lo, participando de sua bondade-beleza. Como participar do objeto do desejo-amor? Pelo conhecimento. Eros é desejo de saber. Filosofia, philosophia. Na contemplação da beleza-bondade – isto é, da idéia do Bem e da Beleza – os humanos alcançam a ciência ou o saber, por meio do qual concebem, engendram e dão nascimento às virtudes e por meio delas se tronam imortais.
Desejo de formosura – da forma bela ou da bela forma –, eis a essência de Eros.




Daí surgiu a expressão "Amor Platônico". Seja como for interpretado, é lindo!  *-*

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