segunda-feira, 3 de maio de 2010

Sadeness


Primeiro veio o frio. Receio do que poderia acontecer. Mas encarei e lentamente fui entrando naquela escuridão misteriosa. O vapor que saía da água quente deixava aquele lugar ainda mais assustador para mim. Arrepiei. O leve toque das minhas mãos deslizando pelo meu corpo molhado me transmitiram segurança. A janela no alto da parede parecia ficar distante. Então chorei. Aquilo não era suficiente. Aquela água não era mais quente. Eu não estava segura. A água cessou. Me abracei em busca de proteção, mas a escuridão me dominou. Lágrimas frias desceram pelo meu rosto triste e desesperado. Desespero, medo, dor. Uma dor latente e profunda na cabeça. "O que está havendo comigo?" Questinava sem obter respostas. andei de um lado a outro, nua e desprotegida. "Onde está você? Quem é você? Eu preciso de você!" Em desespero tentei te encontrar, mas o vapor quente me impedia de vê-lo. Me entreguei à dor. A luz da janela se apagou. O vapor sumiu. "Eu quero calor, eu quero luz!" Meu subconciente gritava por socorro, mas ninguém me ouvia. "Seria verdade ou apenas um pesadelo?" Todas as minha dúvidas e pedidos de socorro jogados ao vento. Sufocamento. Não podia respirar. "Onde está o ar?" Pensei, enquanto sentia o meu coração acelerar discontroladamente. Me sentia fria, desprotegida, desarmada e sem forças para continuar a lutar. "Onde você estava quando mais eu precisei de você?" Indaguei mentalmente antes de me entregar à dor, ao frio, à solidão, ao medo, à escuridão e ao sufocamento. Ouvi uma música lenta que soava como uma prece para mim. Com dificuldade abri os meus olhos. "Sade dit moi." Proferi em latim sem perceber a língua que estava dizendo. Uma brisa me tocou como um suspiro leve de Deus e a luz apareceu. Era um jardim coberto de flores, um rio, árvores, animais. O Sol brilhava forte e agradável no céu. Me senti segura, feliz. Mas não era o suficiente. Eu sentia frio ainda e não podia respirar. "Sade donne moi." Implorei caindo de joelhos na grama verde daquele lugar. Uma brisa quente tocou a minha pele e me aqueceu. A mesma brisa entrou pelas minhas narinas, trazendo de volta a vida e o ar. Chorei como nunca imaginei chorar. Era belo, perfeito, indescritível. Antes que pudesse agradecer, olhei ao redor e me vi sozinha. Meu semblante feliz anuviou. "Sade dit moi." A dor latente voltara e junto com ela, o frio e o medo. Não viveria sem você, não viveria sozinha. Nada seria perfeito suficiente se eu estivesse sozinha. "Onde ele está?" Pensei em minha língua nativa. Porém dessa vez não ouve resposta. Meu coração acelerado pedia que não me abandonasse. Em desespero deixei o ódio tomar conta de meu coração. "Sade es-tu diabolique ou divin?" Tomei palavras de ofensas com aquele que poderia ser o meu salvador. Em arrependimento, ajoelhei-me novamente e chorei. Me senti culpada como jamais pude sentir. A culpa era a maior de todas as dores, maior que o medo, maior que o frio, maior que a solidão. Foi quando tudo sumiu da minha vista e eu caí no abismo escuro. Estava pagando pelos meus erros, meus pecados. Tive tudo nas mãos mas não tive aquilo que daria sentido em tudo. "Será que ficarei sozinha para sempre? Será que não há alguém destinado à mim? Será que sou tão desmerecedora assim?" Já não sentia as minhas lágrimas, apenas um vento forte. O medo me cobriu os olhos. O frio me fez estática. Talvez a morte lenta e indolor não seja tão pior como imaginara. Perceber os seus erros, lhe fez questionar sobre o poder divino e sobre a divindade. Eu sabia que ele ainda estava comigo ali. "Sade dit moi. Es-tu diabolique ou divin?" Meu tom não era de ofensa e sim de dúvida. Percebera eu finalmente os meus erros. Já havia perdido toda a minha força e minha fé. Então bati em algo confortável e me levantei. Voltara para o mesmo jardim extraordinário que estive antes. Eu tinha calor, tinha luz, tinha proteção, tinha força, tinha vida e ar. Um redemoinho quente e rápido passou por mim, me jogando no chão. "Qu'est ce que tu vas chercher ?" Uma voz divina, clara e bonita me perguntou e eu entendi. Recuperei a minha fé e então respondi mentalmente na minha língua nativa. "Minha alma gêmea." Esperançosa de que conseguiria por fim encontrá-lo, chorei de alegria. Uma luz branca e forte se aproximou de mim, me segando os olhos. Pegou as minhas mãos e sussurou em meus ouvidos. "Procedamus in pace. In nomine Christi, Amen." Sim, eu estive com o salvador e ele cuidou de mim e me ensinou a enchergar os meus erros. Abri os olhos instantaneamente assustada e feliz. Me vi em meu quarto, sozinha, era madrugada. Comecei a rir. Agradeci a Deus por ter me proporcionado aquele momento e virei para o lado, adormecendo novamente, em paz.


Ps.: Encontrei inspiração nesse poema antigo que eu encontrei aqui no Sygillum há dois anos atrás: Desejo - Junqueira Freire
Texto baseado também na música Sadeness do Enigma. 

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